sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Justiça despeja adolescente deficiente mental de abrigo em Santa Catarina

Dois oficiais de Justiça levaram um adolescente deficiente mental, soropositivo, cego, mudo e paralítico ao gabinete do pedagogo Rui da Luz, secretário de Assistência Social de São José (SAS), na Grande Florianópolis. Eles cumpriam ordens da juíza Ana Cristina Borba, da Vara da Infância e Juventude da cidade. Os oficiais largaram o garoto no tapete do escritório, exigiram um recibo e foram embora.
O caso aconteceu na segunda-feira (19), mas só foi conhecido na quinta (29) depois que uma  denúncia anônima que chegou aos jornais, revelando que o garoto fora despejado do abrigo onde passara toda sua vida.
Na manhã de quinta (29), com as primeiras notícias, o secretário Luz transferiu PC para uma clínica privada em Camboriú, assumindo o custo de R$ 4.000 mensais, jogando na conta da Prefeitura de São José.
O caso do despejo de PC é só mais um momento marcante em sua vida. Abandonado pela mãe aidética no Hospital Regional de São José aos três meses, em 1995, ele testou soropositivo e logo pegou meningite, com graves sequelas. Paralítico, mudo e cego, perdeu as chances de adoção.
Foi aí que ele conheceu dona Heleninha Pires, fundadora do Gapa (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids). Viúva e sem filhos, há 30 anos ela corre os hospitais catarinenses apoiando aidéticos e suas crianças: "Peguei o PC porque ninguém o queria", conta dona Heleninha.
Ela pegou PC em São José e o levou para o Lar Recanto do Carinho, uma ONG criada por ela em Florianópolis. Mas a tecnicalidade influencia na hora de ele ser recebido por uma instituição. Como não tem família e é um cidadão de São José, é dessa cidade a obrigação de cuidar dele.
PC só foi caminhar, com apoio, aos quatro anos. Aos 12, dona Heleninha conseguiu uma vaga na Apae de Florianópolis, da qual o tenista Guga Kuerten é um dos grandes apoiadores. Um ônibus escolar levava o adolescente.
Nos últimos quatro anos, ele também era cuidado por uma funcionária do Recanto do Carinho chamada Silene (ela não quis ter o nome divulgado, temendo represálias). Silene se afeiçoou ao menino, dividindo os cuidados com Heleninha.
Quando fez 16 anos, em dezembro do ano passado, PC atingiu idade para ser removido do Recanto, que só cuida de jovens até 16.

O DESPEJO
No ano passado, ainda, uma nova direção assumiu o Recanto. Por razões administrativas desconhecidas, o Recanto encaminhou à juíza Brigitte May, da vara de Infância de Florianópolis, um pedido de recolocação de PC no sistema de assistência social - sem comunicar dona Heleninha.
A juíza May oficiou à juíza Ana Borba sobre a origem sãojosesiana de PC. Nenhuma das juízas quis dar entrevistas. As duas, em segredo de Justiça, decidiram o caso. Por ter origem no hospital de São José, ele deveria deixar de tratado em Florianópolis.
Foi assim que o garoto acabou entregue no gabinete do secretário Luz. E abriu-se a questão: onde colocar um deficiente com tantos problemas de saúde? "Se ele passou 17 anos em Florianópolis, que é a capital, imagina onde ele ia conseguir coisa melhor?", disse dona Heleninha. "Deveriam tê-lo deixado em paz".
A SAS de São José só conseguiu aquela vaga numa clínica de idosos - onde o pessoal não estava preparado para tratá-lo. Na quarta-feira (28), Silene foi visitá-lo e ficou comovida com a situação do menino. Saiu dali e queixou-se ao tabloide "Notícias do Dia" e à dona Heleninha.
Na manhã de quinta (29), com as primeiras notícias, o secretário Luz transferiu PC para uma clínica privada em Camboriú, assumindo o custo de R$ 4.000 mensais, jogando na conta da Prefeitura de São José.
Na tarde de quinta, dona Heleninha reagiu com um pedido à Justiça de guarda de PC: "Eu quero ele de volta ao seu quarto, no Recanto. Uma pessoa como ele só reconhece quem lhe dá atenção e carinho pela voz, pelo cheiro e pelo tato. Uma mudança brusca como esta está além da compreensão dele, foi uma tremenda insensibilidade".  
Não adiantou Silene pedir sigilo do nome. As represálias contra ela vieram. Às 17 h de quinta ela estava demitida. A direção do Recanto suspeitou (e acertou) que ela tinha feito a denúncia à imprensa e reagiu com a demissão. (Redação Uol)


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