quinta-feira, 21 de setembro de 2017

AGRESSÕES DE TODOS OS TIPOS Trote violento: um problema que persiste na UEL

Anderson Coelho/Grupo FolhaO trote violento é considerado falta grave na Universidade Estadual de Londrina (UEL) desde 2008. De acordo com os artigos 184 e 185 do Regimento Geral, os estudantes flagrados nessa prática podem ser suspensos ou excluídos dos cursos, sem prejuízo às medidas legais civis ou criminais cabíveis. Apesar disso, os trotes violentos continuam acontecendo. Talvez não tão visivelmente, mas perduram, como mostram os depoimentos obtidos ao longo do último mês pelo Portal Bonde, em relação a fatos que se deram nos últimos nove anos.

O trote violento pode ser físico, psicológico ou moral. "As agressões já começam na hora em que você recebe a lista de aprovação. Havia um grupo no Facebook, o ‘MED UEL’, em que todos os veteranos e pessoas formadas começavam a opressão ali mesmo. Era um ar de terrorismo", conta uma pessoa que cursa medicina na UEL. Nesse grupo, que não existe mais, eram listados os deveres dos calouros, dentre os quais a obediência aos veteranos.

Sobre esse grupo no Facebook, a mesma pessoa relata que, alguns anos atrás, uma menina passou no vestibular da UEL, mas estava esperando também o resultado de um processo seletivo em Santa Maria (RS). "Ela disse que não iria fazer as coisas do trote porque a primeira opção dela era Santa Maria. Aí teve uma pessoa que escreveu assim para ela: ‘você deveria ter morrido na Boate Kiss’. E essa menina teve parentes que morreram na boate, ela estava no dia [da tragédia] na boate."


Outra pessoa que estuda medicina afirmou que, mesmo com o fim do grupo no Facebook, o calouro continua a sofrer perseguições caso não obedeça aos veteranos nos trotes. "Não fui às festas que tiveram [depois do início do curso] porque me ameaçaram, falaram que se eu fosse não voltaria com vida."

A primeira pessoa disse que a maioria dos alunos de medicina é de outras cidades e Estados e, diante da opressão, muitos deles se sentem amedrontados. "Pensa: você vem para uma cidade nova e já começa a sentir medo, a se sentir coibido, a não ser mais o que você é. Porque você tem de ficar calado, você é oprimido a aceitar tudo o que vem. Porque tem aquela ideia de inclusão: se você não fizer, não vai estar dentro daquilo, não vai ser da ‘Família Med UEL’ e vai se dar muito mal porque não se enquadra."

Essa mesma pessoa relatou o seu primeiro dia de trote na UEL. "Vi amigos meus levando cuspidas na cara. Vi amigo meu levando tabefe. Meninas sendo forçadas a beber. Faziam o calouro ajoelhar em pedras e ficavam umas quatro, cinco pessoas gritando em cima. Coisas que não têm explicação. Como você recebe alguém novo assim? Não tem explicação para tratar alguém mal, ainda mais nesse contexto no qual a pessoa vem de fora, abandona a família."

O trote do ano em questão não se resumiu ao primeiro dia de aula. No segundo dia, continua a pessoa, "você tem de fazer posições sexuais com o colega, as meninas tinham de fazer essas posições. Se você for feminista, pior ainda. Aí é que você sofre com o machismo. Porque quando eles identificam uma pessoa militante, aí eles vão fazer questão de usar isso para te humilhar. Eles tratam o trote como opcional. Só que, quando você vai, é obrigado a aceitar qualquer coisa. Eles falam que vão dar opção, mas no final a coerção é tão grande que você acaba se sentindo obrigado a fazer pela inclusão e pela pressão do momento. Tudo isso vai formando a pessoa com a graduação, porque você acaba sendo descaracterizado. A violência passa a se tornar natural, banalizada. Cuspir na cara de alguém passa a não ser algo errado. Dar um tapa em alguém deixa de ser algo errado. Você xingar alguém deixa de ser algo errado. Você fazer coisas ruins para outra pessoa deixa de ser algo errado porque tem um contexto."

Outra pessoa, estudante de medicina veterinária, também relatou abuso no trote à reportagem. "Eles faziam as meninas ciscarem no milho que jogavam no chão. Eles davam uns apelidos degradantes para meninas, com conotação sexual. Quando a menina era gorda, era pior. E quando a menina era bonita, os meninos ficavam em cima assediando, fazendo várias perguntas inadequadas."

No entanto, de acordo com essa pessoa, a perseguição não existe após o trote. "Durante o trote, há pessoas que menosprezam as outras, mas quando o trote acaba, na medicina veterinária, a perseguição não existe mais. Há, sim, na semana do trote, uma hiperssexualização de meninas que são bonitas e uma perseguição a meninas gordinhas. Mas agora isso tem diminuído porque tem muita mulher no curso. Este ano houve denúncia de assédio. Trotes desse tipo ainda continuam mas têm cada vez menos adeptos."

"A medicina, que era um sonho muito grande na minha vida, no primeiro ano passou a ser um pesadelo"

De acordo com o relato de uma das pessoas que estudam medicina atualmente, quem se manifesta contrariamente ao trote, às músicas e à opressão é perseguido no curso – e todos que se relacionam com essa pessoa também. Houve uma turma que começou a questionar os trotes e a propor alternativas, mas, segundo o relato, tornou-se chacota dos estudantes adeptos das violências física e psicológica.

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